Dia Mundial da Dislexia: o papel da família, da educação e da saúde no acolhimento e conscientização sobre o transtorno de aprendizagem

Publicado em 10 de outubro de 2023

Davi, de 14 anos, sempre foi uma criança considerada agitada e desatenta. Na escola, apresentava dificuldade na leitura e nas atividades. Comportamentos que muitas vezes foram estigmatizados como “preguiça de aprender” eram, na verdade, sinais da dislexia, transtorno específico de aprendizagem que, segundo a Associação Brasileira de Dislexia, pode afetar até 17% dos estudantes no mundo. 


Desde cedo, a irmã mais velha de Davi, Ilana Brito, fonoaudióloga e residente na Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência  (RESPCD) do Instituto Santos Dumont (ISD), percebeu que havia algo mais específico, que não se resumia a vontade ou “preguiça”, nas dificuldades escolares do irmão. A partir de conhecimentos que adquiriu durante a graduação e de observações dos hábitos de Davi, convenceu os pais a buscarem atendimento especializado.


“Quando ele fez doze anos, a situação foi ficando mais alarmante, porque passou a prejudicar a autoestima dele, ele começou a ter crises de ansiedade, porque essa frustração de não conseguir aprender refletia em toda a vida dele. Então a família parou e pensou: a gente tem que fazer alguma coisa. E aí ele começou a fazer avaliação neuropsicológica, terapia e acompanhamento psiquiátrico”, conta Ilana.


À princípio, aos 13 anos, Davi foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e iniciou uma intervenção voltada para esse transtorno. A partir daí, Davi passou, em casa e na escola, por várias adaptações; mas, ainda assim, a família continuou a perceber dificuldades persistentes no dia a dia da criança. Foi só depois de passar por atendimento do Laboratório de Linguagem Escrita, Interdisciplinaridade e Aprendizagem (LEIA), da UFRN, que veio o segundo diagnóstico, de dislexia, aos 14 anos. 


De acordo com o Instituto ABCD e o DSM-5, manual diagnóstico e estatístico feito pela Associação Americana de Psiquiatria,  a dislexia é caracterizada pela dificuldade de reconhecimento e fluência nas palavras do idioma nativo, assim como, geralmente, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia. Existem níveis de suporte diferentes, que variam conforme as dificuldades da pessoa disléxica.  


Agora, Davi iniciou o processo de intervenção adequado que contempla um diagnóstico mais completo e pertinente à sua realidade. “Ele está com acompanhamento neuropsicológico, psicopedagógico e faz intervenções semanais no LEIA. A melhora foi absurda, de autoestima, de desempenho na escola, ele não se sente mais tão frustrado, consegue externar melhor as coisas e agora usa medicamento, porque continuamos com a hipótese do TDAH em comorbidade”, explica a  irmã Ilana Brito. 


A preceptora neuropsicóloga do ISD, Caroline Leôncio, explica que, por não haver um marcador biológico para a dislexia, o diagnóstico é essencialmente clínico, feito por equipe multidisciplinar, e deve confirmar que as dificuldades de aprendizagem não são justificadas por deficiências intelectuais, sensoriais, psicossociais, por transtornos mentais, motores ou neurológicos, ou como uma consequência de falta de oportunidade de aprendizagem ou educação escolar inadequada. As dificuldades persistentes para aprender habilidades acadêmicas fundamentais desde a infância, como as demonstradas por Davi, são um pontapé inicial importante para um diagnóstico e intervenções precoces. 


“Cada pessoa com dislexia é única e possui potencialidades cognitivas específicas, que podem ser identificadas através de uma avaliação neuropsicológica e, assim, constituírem um plano de intervenção. Estudos apontam que é comum, embora não seja uma regra, encontrar na pessoa com dislexia uma desenvoltura para habilidades visoespaciais que envolvem desenhos e na memória visual, por exemplo. Conhecendo um ponto de força de seu funcionamento, é possível traçar um plano de estratégias que seja eficaz para cada pessoa”, explica Caroline Leôncio.


A neuropsicóloga do ISD chama atenção também para o impacto de transtornos como a dislexia na vida adulta: dificuldades na fluência e na compreensão da leitura podem persistir e repercutir em atividades diárias e laborais. “Por isso, é muito comum a pessoa com Dislexia evitar atividades que exijam tais habilidades ou usar estratégias alternativas que compensam suas fragilidades, por exemplo, audiolivros, mídia audiovisual, dentre outras ferramentas de enfrentamento adaptativas”, pontua.


O diagnóstico precoce de transtornos de aprendizagem, não só a dislexia, é para Larissa Pessoa, psicóloga e residente no ISD, fundamental para incentivar desde cedo o desenvolvimento cognitivo e conviver com os sinais e sintomas de modo a impulsionar a autonomia e as potencialidades. Larissa foi diagnosticada com discalculia, transtorno específico da aprendizagem caracterizado pela dificuldade no processamento numérico, cálculos básicos e raciocínio lógico, já aos 18 anos.


“Quanto mais cedo o diagnóstico, mais cedo a intervenção precoce. Para qualquer sujeito, a gente tem a condição de plasticidade neural, que é a capacidade do cérebro de fazer novas conexões. Se os disléxicos tiverem acesso à intervenção precoce, é possível que a gente possa amenizar os sinais e sintomas que esse sujeito vai conviver”, reforça a residente.


Para Larissa, que hoje é vice-presidente da Associação Potiguar de Dislexia, a informação e o apoio familiar são dois pontos cruciais no processo de promover a qualidade de vida e assistência de pessoas com transtornos da aprendizagem. 


“É fundamental enfrentar a falta de informação, porque a porcentagem de pessoas com essa condição no Brasil é muito alta. Talvez se a gente reforçar o que é essa condição, consigamos um maior acesso à educação e à saúde. Se a gente criar um ambiente acolhedor para essas pessoas, elas vão conseguir se desenvolver da melhor forma, e essa é uma responsabilidade que não é da família sozinha, mas dos professores, dos profissionais da saúde e da sociedade civil de forma geral”, pontua Larissa.


No lar e cotidiano de Davi, esses aspectos fizeram não só parte, como foram imprescindíveis no processo do diagnóstico e da intervenção da dislexia. O enfrentamento ao estigma da preguiça, que para Ilana Brito ainda é persistente na sociedade, aliado ao ato de oferecer ajuda e observar de perto o comportamento de crianças na família e na escola, foram percepções necessárias para que se chegasse a uma resposta e solução na melhoria de qualidade de vida da criança. 


“É importante ouvirmos as crianças. Nós temos uma cultura de não escutá-las, porque são pequenas, porque não sabem o que fazem, mas pelo contrário; é muito importante sermos ouvidos e percebidos, e a família, a escola, são agentes que têm que desempenhar esse papel e acolher essas demandas. Com Davi, vejo que esse processo foi muito importante, ele ter conseguido se abrir para nós, para que mesmo que tardiamente, conseguíssemos estar ao lado dele e dar esse suporte”, pontua Ilana. 


SOBRE O ISD

O Instituto Santos Dumont é uma Organização Social vinculada ao MEC e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.

Assessoria de Comunicação
comunicacao@isd.org.br
(84) 99416-1880

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Davi, de 14 anos, sempre foi uma criança considerada agitada e desatenta. Na escola, apresentava dificuldade na leitura e nas atividades. Comportamentos que muitas vezes foram estigmatizados como “preguiça de aprender” eram, na verdade, sinais da dislexia, transtorno específico de aprendizagem que, segundo a Associação Brasileira de Dislexia, pode afetar até 17% dos estudantes no mundo. 


Desde cedo, a irmã mais velha de Davi, Ilana Brito, fonoaudióloga e residente na Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência  (RESPCD) do Instituto Santos Dumont (ISD), percebeu que havia algo mais específico, que não se resumia a vontade ou “preguiça”, nas dificuldades escolares do irmão. A partir de conhecimentos que adquiriu durante a graduação e de observações dos hábitos de Davi, convenceu os pais a buscarem atendimento especializado.


“Quando ele fez doze anos, a situação foi ficando mais alarmante, porque passou a prejudicar a autoestima dele, ele começou a ter crises de ansiedade, porque essa frustração de não conseguir aprender refletia em toda a vida dele. Então a família parou e pensou: a gente tem que fazer alguma coisa. E aí ele começou a fazer avaliação neuropsicológica, terapia e acompanhamento psiquiátrico”, conta Ilana.


À princípio, aos 13 anos, Davi foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e iniciou uma intervenção voltada para esse transtorno. A partir daí, Davi passou, em casa e na escola, por várias adaptações; mas, ainda assim, a família continuou a perceber dificuldades persistentes no dia a dia da criança. Foi só depois de passar por atendimento do Laboratório de Linguagem Escrita, Interdisciplinaridade e Aprendizagem (LEIA), da UFRN, que veio o segundo diagnóstico, de dislexia, aos 14 anos. 


De acordo com o Instituto ABCD e o DSM-5, manual diagnóstico e estatístico feito pela Associação Americana de Psiquiatria,  a dislexia é caracterizada pela dificuldade de reconhecimento e fluência nas palavras do idioma nativo, assim como, geralmente, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia. Existem níveis de suporte diferentes, que variam conforme as dificuldades da pessoa disléxica.  


Agora, Davi iniciou o processo de intervenção adequado que contempla um diagnóstico mais completo e pertinente à sua realidade. “Ele está com acompanhamento neuropsicológico, psicopedagógico e faz intervenções semanais no LEIA. A melhora foi absurda, de autoestima, de desempenho na escola, ele não se sente mais tão frustrado, consegue externar melhor as coisas e agora usa medicamento, porque continuamos com a hipótese do TDAH em comorbidade”, explica a  irmã Ilana Brito. 


A preceptora neuropsicóloga do ISD, Caroline Leôncio, explica que, por não haver um marcador biológico para a dislexia, o diagnóstico é essencialmente clínico, feito por equipe multidisciplinar, e deve confirmar que as dificuldades de aprendizagem não são justificadas por deficiências intelectuais, sensoriais, psicossociais, por transtornos mentais, motores ou neurológicos, ou como uma consequência de falta de oportunidade de aprendizagem ou educação escolar inadequada. As dificuldades persistentes para aprender habilidades acadêmicas fundamentais desde a infância, como as demonstradas por Davi, são um pontapé inicial importante para um diagnóstico e intervenções precoces. 


“Cada pessoa com dislexia é única e possui potencialidades cognitivas específicas, que podem ser identificadas através de uma avaliação neuropsicológica e, assim, constituírem um plano de intervenção. Estudos apontam que é comum, embora não seja uma regra, encontrar na pessoa com dislexia uma desenvoltura para habilidades visoespaciais que envolvem desenhos e na memória visual, por exemplo. Conhecendo um ponto de força de seu funcionamento, é possível traçar um plano de estratégias que seja eficaz para cada pessoa”, explica Caroline Leôncio.


A neuropsicóloga do ISD chama atenção também para o impacto de transtornos como a dislexia na vida adulta: dificuldades na fluência e na compreensão da leitura podem persistir e repercutir em atividades diárias e laborais. “Por isso, é muito comum a pessoa com Dislexia evitar atividades que exijam tais habilidades ou usar estratégias alternativas que compensam suas fragilidades, por exemplo, audiolivros, mídia audiovisual, dentre outras ferramentas de enfrentamento adaptativas”, pontua.


O diagnóstico precoce de transtornos de aprendizagem, não só a dislexia, é para Larissa Pessoa, psicóloga e residente no ISD, fundamental para incentivar desde cedo o desenvolvimento cognitivo e conviver com os sinais e sintomas de modo a impulsionar a autonomia e as potencialidades. Larissa foi diagnosticada com discalculia, transtorno específico da aprendizagem caracterizado pela dificuldade no processamento numérico, cálculos básicos e raciocínio lógico, já aos 18 anos.


“Quanto mais cedo o diagnóstico, mais cedo a intervenção precoce. Para qualquer sujeito, a gente tem a condição de plasticidade neural, que é a capacidade do cérebro de fazer novas conexões. Se os disléxicos tiverem acesso à intervenção precoce, é possível que a gente possa amenizar os sinais e sintomas que esse sujeito vai conviver”, reforça a residente.


Para Larissa, que hoje é vice-presidente da Associação Potiguar de Dislexia, a informação e o apoio familiar são dois pontos cruciais no processo de promover a qualidade de vida e assistência de pessoas com transtornos da aprendizagem. 


“É fundamental enfrentar a falta de informação, porque a porcentagem de pessoas com essa condição no Brasil é muito alta. Talvez se a gente reforçar o que é essa condição, consigamos um maior acesso à educação e à saúde. Se a gente criar um ambiente acolhedor para essas pessoas, elas vão conseguir se desenvolver da melhor forma, e essa é uma responsabilidade que não é da família sozinha, mas dos professores, dos profissionais da saúde e da sociedade civil de forma geral”, pontua Larissa.


No lar e cotidiano de Davi, esses aspectos fizeram não só parte, como foram imprescindíveis no processo do diagnóstico e da intervenção da dislexia. O enfrentamento ao estigma da preguiça, que para Ilana Brito ainda é persistente na sociedade, aliado ao ato de oferecer ajuda e observar de perto o comportamento de crianças na família e na escola, foram percepções necessárias para que se chegasse a uma resposta e solução na melhoria de qualidade de vida da criança. 


“É importante ouvirmos as crianças. Nós temos uma cultura de não escutá-las, porque são pequenas, porque não sabem o que fazem, mas pelo contrário; é muito importante sermos ouvidos e percebidos, e a família, a escola, são agentes que têm que desempenhar esse papel e acolher essas demandas. Com Davi, vejo que esse processo foi muito importante, ele ter conseguido se abrir para nós, para que mesmo que tardiamente, conseguíssemos estar ao lado dele e dar esse suporte”, pontua Ilana. 


SOBRE O ISD

O Instituto Santos Dumont é uma Organização Social vinculada ao MEC e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.

Assessoria de Comunicação
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