“Não é possível pensar saúde e educação sem tocar na questão racial”, diz professora em aula no ISD sobre a construção de uma sociedade antirracista

Publicado em 23 de maio de 2021

Kamila Tuenia 

 

“Não é possível pensar saúde e educação sem tocar na questão racial”. 

A frase foi dita pela cientista social, doutora em saúde coletiva e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mercês Santos, em aula ministrada nesta semana para alunos de pós-graduação do Instituto Santos Dumont (ISD), como convidada na disciplina Educação para a Cidadania Global. 

O tema abordado pela professora foi Educação para sociedade antirracista, o que incluiu debates sobre a importância da promoção da representatividade negra, do combate ao racismo estrutural, da necessidade de falar sobre questões raciais e de construir uma sociedade antirracista. A discussão trouxe aos alunos a necessidade urgente de se questionar “como podemos construir uma educação antirracista, em um país em que mais de metade da população é negra, mas no qual falar-se sobre questões raciais ainda é um caminho cheio de percalços e tabus?”

“O que a gente tem a ver com a construção de uma educação antirracista?”, provoca a professora. “É preciso pensar que esse assunto tem que passar pela nossa formação. A educação é modeladora de pensamento e é essencial para que a sociedade comece a pensar sem preconceitos. Construir o antirracismo é buscar informações sobre o assunto, enxergar a negritude na sociedade e claro, reconhecer privilégios”, disse Mercês. 

“O que é raça?”

Uma das questões levantadas pela professora na aula foi “O que é raça pra vocês? Como vocês definiriam?”. Ela conta que sempre que esse assunto é debatido, nem sempre as pessoas sabem responder, às vezes evitam ou não se sentem à vontade para falar. Para Mercês, esse é um dos reflexos do que se define como racismo estrutural, um termo utilizado para caracterizar sociedades estruturadas com base na discriminação, que privilegia algumas raças em detrimento de outras. 

“É parte do racismo estrutural que as pessoas, sobretudo brancas, não entendam ou não precisem entender sobre as questões raciais, porém, por mais que esse debate tenha evoluído bastante hoje em dia, é discutindo, se informando e debatendo sobre isso que chegamos mais perto da democracia racial”, explicou a professora. 

“Nosso país e nosso estado são lugares perigosos para ser negro(a) e jovem”

“O Brasil é um lugar perigoso para ser negro e o Rio Grande do Norte é um dos piores lugares para ser negro e jovem”, alertou Mercês também durante a aula. A realidade pode ser desenhada através de dados do Atlas da Violência, divulgado em agosto de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O estudo analisa os anos de 2008 a 2018 e aponta que no Brasil, os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram 11,5% em uma década. 

No período, os estados que tiveram as mais altas taxas de homicídios entre a população negra estão localizados nas regiões Norte e Nordeste, com destaque para Roraima (87,5), Rio Grande do Norte (71,6), Ceará (69,5), Sergipe (59,4) e Amapá (58,3). No intervalo de 2008 a 2018, observou-se ainda um aumento de 13,3% na taxa de jovens mortos e os homicídios foram a principal causa dos óbitos da juventude masculina. 

Saúde 

Doutora em Saúde Coletiva, Mercês Santos aponta a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, instituída em 2009, como um dos instrumentos necessários no conhecimento dos profissionais de saúde em formação. A diretriz do Sistema Único de Saúde (SUS) visa, segundo ela, garantir a igualdade e a efetivação do direito à saúde de negras e negros. Tendo como marca o reconhecimento do racismo como determinante social das condições de saúde, a Política estabelece objetivos, diretrizes, estratégias e responsabilidades da gestão em todas as esferas, com vistas à promoção da equidade em saúde.

Ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de doenças, bem como de gestão participativa, participação popular e controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para trabalhadoras e trabalhadores da saúde estão entre as diretrizes do documento. 

Para o residente de psicologia da Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência, Giovanni Sampaio, um dos motivos que tornam importante o estudo das questões raciais na formação dos profissionais do ISD está na comunidade. O território em que o ISD se situa, zona rural de Macaíba/RN, conta com a maior comunidade quilombola do Rio Grande do Norte, Capoeiras. 

“Penso muito que a maioria dos usuários no Anita Garibaldi (o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, do ISD) são pessoas negras e quilombolas, a gente tem uma comunidade quilombola no nosso território, então a gente precisa estar informado sobre essas questões, porque a demanda racial chega a todo momento para nós, inclusive quando se trata de saúde mental, de pessoas que têm sofrido preconceito pela cor da sua pele dentro de casa. E se a gente não se atentar, não se informar sobre isso, a gente corre o risco também de se colocar na posição de violentador”, reflete o psicólogo.

Privilégios e conteúdo

“Quando a gente fala das nossas dificuldades diante do preconceito racial, um outro sujeito que é branco, às vezes fala “ah, eu também já sofri isso e aquilo”. A gente tem que lembrar que carrega também uma realidade histórica que não está na perspectiva da individualidade ou da meritocracia”, conta Mercês. Ela aponta que é necessário refletir sobre os privilégios e, sobretudo, ouvir as pessoas negras sem invalidar sua vivência. 

“É preciso que a branquitude repense seu lugar de privilégio. Por que não ter um olhar sobre essas questões? É extremamente importante pensar e se informar sobre isso, sobretudo porque o racismo é internalizado, não há problema em assumir isso, mas é preciso parar e ouvir quando você é apontado como racista, porque isso não é algo individual, é estrutural. Reconheça e repense naquele momento, para não continuar perpetuando uma opressão”, indica a cientista social, que comenta ainda que ouvir as pessoas negras não significa ouvi-las apenas falando sobre racismo. “Leia, ouça músicas, estude, assista pessoas negras. A gente precisa repensar também o conteúdo que a gente consome, as pessoas que a gente escuta. No seu cotidiano, no seu entretenimento, no seu grupo de amigos, na sua pesquisa existem pessoas negras”, reflete. 

Redução das desigualdades 

Nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a construção de uma sociedade antirracista está incluída na meta de número 10, que visa promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra situação. Além disso, tem o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades, em particular por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito.

A aula ministrada por Mercês Santos é parte da programação da disciplina “Educação para a cidadania global”, cursada por alunos dos programas de Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência e de Mestrado em Neuroengenharia do Instituto e visa contribuir com esse objetivo. A disciplina tem à frente o professor-pesquisador e diretor-geral do ISD, Reginaldo Freitas Júnior.

Os ODS incluem metas globais que estão no centro da atuação do Instituto Santos Dumont, a exemplo de educação de qualidade, saúde e bem estar, inovação e o alcance da igualdade de gênero, assim como do empoderamento das mulheres e meninas.

Texto:  Kamila Tuenia – Estagiária de Jornalismo / Ascom – ISD

Edição: Renata Moura – Jornalista / Ascom – ISD

Foto: Kamila Tuenia / Ascom – ISD

Assessoria de Comunicação
comunicacao@isd.org.br
(84) 99416-1880

Instituto Santos Dumont (ISD)

É uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.

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A frase foi dita pela cientista social, doutora em saúde coletiva e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mercês Santos, em aula ministrada nesta semana para alunos de pós-graduação do Instituto Santos Dumont (ISD), como convidada na disciplina Educação para a Cidadania Global. 

O tema abordado pela professora foi Educação para sociedade antirracista, o que incluiu debates sobre a importância da promoção da representatividade negra, do combate ao racismo estrutural, da necessidade de falar sobre questões raciais e de construir uma sociedade antirracista. A discussão trouxe aos alunos a necessidade urgente de se questionar “como podemos construir uma educação antirracista, em um país em que mais de metade da população é negra, mas no qual falar-se sobre questões raciais ainda é um caminho cheio de percalços e tabus?”

“O que a gente tem a ver com a construção de uma educação antirracista?”, provoca a professora. “É preciso pensar que esse assunto tem que passar pela nossa formação. A educação é modeladora de pensamento e é essencial para que a sociedade comece a pensar sem preconceitos. Construir o antirracismo é buscar informações sobre o assunto, enxergar a negritude na sociedade e claro, reconhecer privilégios”, disse Mercês. 

“O que é raça?”

Uma das questões levantadas pela professora na aula foi “O que é raça pra vocês? Como vocês definiriam?”. Ela conta que sempre que esse assunto é debatido, nem sempre as pessoas sabem responder, às vezes evitam ou não se sentem à vontade para falar. Para Mercês, esse é um dos reflexos do que se define como racismo estrutural, um termo utilizado para caracterizar sociedades estruturadas com base na discriminação, que privilegia algumas raças em detrimento de outras. 

“É parte do racismo estrutural que as pessoas, sobretudo brancas, não entendam ou não precisem entender sobre as questões raciais, porém, por mais que esse debate tenha evoluído bastante hoje em dia, é discutindo, se informando e debatendo sobre isso que chegamos mais perto da democracia racial”, explicou a professora. 

“Nosso país e nosso estado são lugares perigosos para ser negro(a) e jovem”

“O Brasil é um lugar perigoso para ser negro e o Rio Grande do Norte é um dos piores lugares para ser negro e jovem”, alertou Mercês também durante a aula. A realidade pode ser desenhada através de dados do Atlas da Violência, divulgado em agosto de 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O estudo analisa os anos de 2008 a 2018 e aponta que no Brasil, os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram 11,5% em uma década. 

No período, os estados que tiveram as mais altas taxas de homicídios entre a população negra estão localizados nas regiões Norte e Nordeste, com destaque para Roraima (87,5), Rio Grande do Norte (71,6), Ceará (69,5), Sergipe (59,4) e Amapá (58,3). No intervalo de 2008 a 2018, observou-se ainda um aumento de 13,3% na taxa de jovens mortos e os homicídios foram a principal causa dos óbitos da juventude masculina. 

Saúde 

Doutora em Saúde Coletiva, Mercês Santos aponta a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, instituída em 2009, como um dos instrumentos necessários no conhecimento dos profissionais de saúde em formação. A diretriz do Sistema Único de Saúde (SUS) visa, segundo ela, garantir a igualdade e a efetivação do direito à saúde de negras e negros. Tendo como marca o reconhecimento do racismo como determinante social das condições de saúde, a Política estabelece objetivos, diretrizes, estratégias e responsabilidades da gestão em todas as esferas, com vistas à promoção da equidade em saúde.

Ações de cuidado, atenção, promoção à saúde e prevenção de doenças, bem como de gestão participativa, participação popular e controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente para trabalhadoras e trabalhadores da saúde estão entre as diretrizes do documento. 

Para o residente de psicologia da Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência, Giovanni Sampaio, um dos motivos que tornam importante o estudo das questões raciais na formação dos profissionais do ISD está na comunidade. O território em que o ISD se situa, zona rural de Macaíba/RN, conta com a maior comunidade quilombola do Rio Grande do Norte, Capoeiras. 

“Penso muito que a maioria dos usuários no Anita Garibaldi (o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, do ISD) são pessoas negras e quilombolas, a gente tem uma comunidade quilombola no nosso território, então a gente precisa estar informado sobre essas questões, porque a demanda racial chega a todo momento para nós, inclusive quando se trata de saúde mental, de pessoas que têm sofrido preconceito pela cor da sua pele dentro de casa. E se a gente não se atentar, não se informar sobre isso, a gente corre o risco também de se colocar na posição de violentador”, reflete o psicólogo.

Privilégios e conteúdo

“Quando a gente fala das nossas dificuldades diante do preconceito racial, um outro sujeito que é branco, às vezes fala “ah, eu também já sofri isso e aquilo”. A gente tem que lembrar que carrega também uma realidade histórica que não está na perspectiva da individualidade ou da meritocracia”, conta Mercês. Ela aponta que é necessário refletir sobre os privilégios e, sobretudo, ouvir as pessoas negras sem invalidar sua vivência. 

“É preciso que a branquitude repense seu lugar de privilégio. Por que não ter um olhar sobre essas questões? É extremamente importante pensar e se informar sobre isso, sobretudo porque o racismo é internalizado, não há problema em assumir isso, mas é preciso parar e ouvir quando você é apontado como racista, porque isso não é algo individual, é estrutural. Reconheça e repense naquele momento, para não continuar perpetuando uma opressão”, indica a cientista social, que comenta ainda que ouvir as pessoas negras não significa ouvi-las apenas falando sobre racismo. “Leia, ouça músicas, estude, assista pessoas negras. A gente precisa repensar também o conteúdo que a gente consome, as pessoas que a gente escuta. No seu cotidiano, no seu entretenimento, no seu grupo de amigos, na sua pesquisa existem pessoas negras”, reflete. 

Redução das desigualdades 

Nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a construção de uma sociedade antirracista está incluída na meta de número 10, que visa promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra situação. Além disso, tem o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades, em particular por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito.

A aula ministrada por Mercês Santos é parte da programação da disciplina “Educação para a cidadania global”, cursada por alunos dos programas de Residência Multiprofissional no Cuidado à Saúde da Pessoa com Deficiência e de Mestrado em Neuroengenharia do Instituto e visa contribuir com esse objetivo. A disciplina tem à frente o professor-pesquisador e diretor-geral do ISD, Reginaldo Freitas Júnior.

Os ODS incluem metas globais que estão no centro da atuação do Instituto Santos Dumont, a exemplo de educação de qualidade, saúde e bem estar, inovação e o alcance da igualdade de gênero, assim como do empoderamento das mulheres e meninas.

Texto:  Kamila Tuenia – Estagiária de Jornalismo / Ascom – ISD

Edição: Renata Moura – Jornalista / Ascom – ISD

Foto: Kamila Tuenia / Ascom – ISD

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Instituto Santos Dumont (ISD)

É uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.

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